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Reforma Administrativa 28/10/2021

Por que a Proposta de Reforma Administrativa é inconstitucional?

Israel Batista
Israel Batista
Deputado federal e presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público
Por que a Proposta de Reforma Administrativa é inconstitucional?
Foto: Reprodução

A Constituição Federal de 1988 garantiu à sociedade brasileira sólidos parâmetros para viabilizar a construção de um autêntico Estado Democrático de Direito. Elementos importantes das democracias constitucionais modernas foram combinados pelo Poder Constituinte: democracia e direito, autonomia pública e autonomia privada, igualdade e liberdade.

Entre todos esses elementos, há uma relação de interdependência. Soberania popular sem a preservação de direitos fundamentais pode se transformar em ditadura da maioria. Ordenamentos jurídicos não concebidos de modo democrático nada mais são do que exercício arbitrário do poder. Para manter esse equilíbrio de forças e para moderar e garantir legitimidade ao poder político é que a Constituição Federal elenca um extenso rol de princípios e direitos fundamentais, cuja supressão não pode ocorrer nem por meio de Emenda Constitucional.

A nossa Constituição Cidadã é muito firme: não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir direitos e garantias individuais. Da mesma forma, o Supremo Tribunal Federal possui sólido entendimento de que, mesmo que normas aprovadas pelo Parlamento não visem a suprimir ou modificar expressamente uma cláusula pétrea, devem ser reputadas inconstitucionais todas as tentativas de enfraquecer, de desidratar a essência das garantias fundamentais dos cidadãos e da sociedade brasileira. Ainda que o texto permaneça formalmente em vigor. 

Infelizmente, a Proposta de Reforma Administrativa – a famigerada PEC 32/2020 – tanto na versão apresentada pelo Governo Bolsonaro quanto no substitutivo aprovado pela Comissão Especial em 24 de setembro de 2024, e que será levado ao Plenário da Câmara dos Deputados – contém inúmeros dispositivos que ofendem o art. 37 da Constituição Federal, segundo o qual os cidadãos brasileiros têm direito a uma atuação estatal impessoal e republicana. A Administração Pública não é lugar para a satisfação de projetos pessoais, de amigos ou de familiares.

Apesar de não o fazer explicitamente, a PEC 32/2020 ataca de modo tão recorrente o princípio da impessoalidade e os seus instrumentos de concretização que, em caso de aprovação, será possível afirmar que a Administração Pública sequer estará mais submetida a ele. A quem interessa a substituição de servidores concursados por trabalhadores temporários, com vínculo precário e facilmente dispensáveis? A quem interessa o fim da estabilidade? A quem interessa o desligamento facilitado de agentes estatais que contrariam interesses político-partidários? Quem será mais eficiente?  Servidores aprovados em concorridos concursos públicos ou trabalhadores selecionados de modo simplificado?  A quem interessa a prestação de serviços públicos pela iniciativa privada, sem os instrumentos de controle existente no regime jurídico de licitações?

De modo contrário ao projeto concebido pela nossa Constituição Cidadã, o Estado brasileiro ficará, de modo irremediável, sujeito novamente a propósitos clientelistas e patrimonialistas. O princípio da impessoalidade, o concurso público, a estabilidade, entre outras garantias atacadas sistematicamente pela PEC 32/2020, formam um bloco de salvaguardas constitucionais que vinculam a atividade administrativa à satisfação do verdadeiro interesse público. Se já é difícil melhorar o serviço público com tais garantias, impossível sem elas.

Caso a PEC 32/2020 seja aprovada, a impessoalidade no serviço público será exceção; não mais a regra. Estará apenas formalmente em vigor, porquanto não faltarão subterfúgios para que governantes submetam o aparato estatal a interesses político-partidários ou até mesmo a interesses privados.

Boa parte da boiada já passou. É preciso fechar a porteira.

Autores:

  • Israel Batista é deputado federal e presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público (Servir Brasil)
  • Bruno Fischgold é sócio do escritório Fischgold Benevides Advogados, mestre em Direito Constitucional e consultor jurídico da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público (Servir Brasil)