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Infraestrutura 15/03/2023

Privatização da Chesf precisa ser revertida

Maria Arraes
Maria Arraes
Deputada federal (PE)
Privatização da Chesf precisa ser revertida
No aniversário de 75 anos da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco, celebrado nesta quarta (15/3), a deputada federal Maria Arraes defende opatrimônio público do Nordeste e do Brasil

A Companhia Hidro Elétrica do São Francisco, a Chesf de todos os nordestinos, completa hoje 75 anos de atuação em prol do desenvolvimento do Nordeste e do Brasil. A data, que deveria ser de celebração, agora é de luta e de resistência diante das ameaças trazidas pela privatização da controladora Eletrobras.

Fazer a defesa da companhia é fazer a defesa da nossa história, das nossas riquezas e da nossa soberania sobre bens essenciais a qualquer nação: água e energia!

Foi Apolônio Sales, pernambucano da cidade de Altinho e então ministro da Agricultura do governo Getúlio Vargas, o criador do projeto que deu origem à primeira empresa pública de eletricidade do Brasil. A Chesf foi constituída em 15 de março de 1948, com o objetivo de promover o aproveitamento do potencial energético da cachoeira de Paulo Afonso, localizada no Rio São Francisco, entre os Estados de Alagoas e Bahia. Naquela época, o visionário Sales já preconizava que “a presença da energia abundante e permanente a preço razoável é fator decisivo na expansão industrial de qualquer País”. 

De lá para cá, a empresa de economia mista se tornou uma potência – e não só de produção, transmissão e comercialização de energia. Desde a sua sede no Recife e por onde se estende a sua atuação no entorno de 16 hidrelétricas, a Chesf gera riqueza econômica, social e cultural. Ao gerir as políticas de uso das águas do Velho Chico, viabiliza abastecimento à população, promove a irrigação, a agricultura familiar, a pesca artesanal e o turismo, entre tantos outros setores que movimenta. Também se revela um instrumento primordial de convivência com a seca que assola a nossa região.

A companhia é parte da identidade do povo nordestino, uma de suas maiores referências e estrutura fundamental na redução das desigualdades regionais. Não por acaso, é cantada em verso e prosa por artistas populares como o nosso grandioso Luiz Gonzaga. Quem não se lembra da música Paulo Afonso:

“Vejo o Nordeste; Erguendo a bandeira; De ordem e progresso; A nação brasileira; Vejo a indústria gerando riqueza; Findando a seca; Salvando a pobreza; Ouço a usina feliz mensageira; Dizendo na força da cachoeira; O Brasil vai, o Brasil vai”.

Todo esse legado corre o risco de desintegração. E não é de agora! No ano de 1995, em uma carta ao então presidente Fernando Henrique Cardoso, o meu avô, Miguel Arraes, na condição de governador de Pernambuco, já alertava para as consequências de “privatizações selvagens”, como a do sistema Eletrobras. Arraes dizia que a venda da Chesf constituiria “um péssimo negócio para o País”, uma vez que monopólios privados não se comprometeriam com “a necessidade de preservação do seu ecossistema”. Meu avô não poderia estar mais certo.

Marcada por denúncias de irregularidades e ilegalidades, a privatização da Eletrobras, e consequentemente da Chesf, acabou por ser concretizada na nefasta era Bolsonaro. O desgoverno claramente entreguista e servil a interesses de oligopólios internacionais colocou em mãos privadas a gestão do setor elétrico e dos rios onde estão instaladas as usinas hidrelétricas. Isso a preços módicos comprados ao que, de fato, valem as nossas empresas. Não é de estranhar que o grupo que adquiriu a Eletrobras seja o mesmo envolvido no escândalo das Lojas Americanas. Do dia para a noite, acionistas minoritários se tornaram majoritários.

Ainda pelos termos lesa-pátria estabelecidos na operação, apesar de continuar dono de 42% das ações, o governo brasileiro só pode participar das decisões como se tivesse 10%. Outro absurdo é o mecanismo que visa impedir a reestatização da companhia: para readquirir todas as ações, o governo brasileiro precisa pagar três vezes mais pelos papéis do que qualquer outro comprador.  

Caso a privatização não seja revertida, os impactos sócio-econômicos e culturais dessa venda podem se tornar irreparáveis para toda nossa região. Além do papel determinante que desempenha como gestora das águas do Rio São Francisco, a Chesf é pioneira atualmente no estudo e investimento em fontes alternativas de energia, com 15 parques de geração eólica e três solares. A companhia é a maior geradora genuinamente brasileira, só perdendo em capacidade para Itaipu Binacional, dividida entre Brasil e Paraguai.

Desde a sua fundação, todas as ações que a Chesf adota têm levado em conta a relação com o meio ambiente e as comunidades. Não é o que vai ocorrer a médio e longo prazo sob gestão privada. Ao contrário: o cenário sombrio que está por vir é de aumento da conta de luz e de desemprego na região Nordeste, que já sofre com a redução da transferência dos recursos. Estimativas da Federação Regional dos Urbanitários do Nordeste apontam que a diminuição deve superar os R$ 6 bilhões ao ano.

A riqueza produzida pela companhia, em vez de contribuir para o desenvolvimento do território onde se situa, tende a ser repassada em forma de lucro para os conglomerados estrangeiros. O papel social da companhia, com o perdão do trocadilho, irá por água abaixo.

Estaremos ainda sob o perigo de enfrentar obstáculos para o uso das águas do São Francisco, sobretudo em época de seca. Sem falar no desinteresse de continuar levando energia para comunidades pobres e distantes, assim como em preservar o rio. À iniciativa privada, vale sempre alertar, interessa a maximização de lucros. Distribuir renda, proporcionar conquistas sociais e combater a desigualdade é papel do Estado.

O controle das grandes usinas hidrelétricas é estratégico. Nenhum país de base hidroelétrica importante privatiza o setor elétrico. Até nos Estados Unidos, a propriedade e operação das grandes hidrelétricas pertencem a entidades públicas. Da mesma forma, ocorre na China, Rússia, Canadá, Suécia, Noruega, Índia e Japão.

Trata-se de um monopólio estatal natural, em torno do qual gira a produção industrial. Em contrapartida, tarifas elétricas ao sabor do mercado influenciam todos os custos da economia e podem gerar pressão inflacionária, inviabilizar negócios e impactar negativamente o consumo das famílias, principalmente as menos favorecidas. Na prática, além da nossa conta de luz residencial, o preço de tudo que a gente consome e depende de energia para ser produzido deve subir. É só olhar o caso da nossa vizinha Argentina. Com a venda da sua estatal elétrica, a tarifa de energia dos hermanos ficou quase cinco vezes mais cara.

Não podemos permitir que esse panorama se imponha em nosso País. Como vice-líder do governo Lula, faço ecoar o sentimento do presidente e os anseios do povo do Nordeste e do Brasil pela reestatização da Eletrobras. Diante de um processo de privatização obtuso, precisamos voltar a estabelecer um canal de debate amplo com a sociedade sobre a questão. Queremos que a Chesf siga pública e ativa no desenvolvimento da nossa região. Viva a Chesf! Parabéns a todas e todos responsáveis pela grandeza da companhia.