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Pessoas com Deficiência 21/08/2021

Por que o Solidariedade precisa de uma Secretaria Nacional da PCD?

Noeli Becker
Noeli Becker
Secretária do Solidariedade Mulher (RJ)
Por que o Solidariedade precisa de uma Secretaria Nacional da PCD?
Foto: reprodução

Trinta anos, saudável, não fumante e raramente consumia bebida alcóolica. Pronta física e psicologicamente para uma gravidez.

Eis que entrando no quinto mês de gestação houve o primeiro sangramento e tudo mudou. Tinha o que chamam de “placenta prévia” e passei pouco mais de dois meses em repouso absoluto, sangrando e tentando levar a gravidez até onde dava. Até que com 33 semanas aconteceu o descolamento de placenta e muito mal cheguei ao hospital onde minha filha nasceu com pouco mais de 1 quilo.

O desmaio que tive até receber atendimento causou falta de oxigenação e muitos meses depois do nascimento de Camylla, quando fui mal orientada por profissionais que declaravam que o que ela tinha era apenas atraso motor, recebi o diagnóstico de paralisia cerebral.

Cheguei em casa, comecei a me informar sobre o que parecia meu “muro intransponível” e rasguei todas aquelas revistas que toda grávida comprava tipo: “seu bebê com 6 meses; 8 meses; 1 ano. ”

Era início dos anos 2000, mas para uma criança com paralisia cerebral parecia que ainda estávamos nos anos 50. Apesar de viver numa cidade muito próxima a capital (Petrópolis/RJ), desenvolvida e antenada com a evolução tecnológica. Aprendi que não era apenas ali que as dificuldades moravam.

Como toda mãe de pessoa com deficiência intelectual e dificuldades múltiplas, encontrava escolas não adaptadas e nenhuma clínica com especialização. A única que havia era conveniada com o SUS e, apesar da experiência com esse tipo de deficiência, foi praticamente inviabilizada pelo Poder Público anos depois.

Camylla frequentou escolas regulares nos primeiros anos, mas, para que começasse a ser alfabetizada contratei os profissionais da antiga clínica (professora, fisioterapeuta e fono). Ela ficou um ano sem escola até que entrei em uma que havia melhor acessibilidade e fiz questão de matriculá-la. A direção tinha receio se daria conta. Esse sentimento encontrei em todas as escolas por onde passamos. Medo do desconhecido é próprio do ser humano e a deficiência ainda é um desconhecimento.

Apesar de ter muitas dificuldades, Camylla era uma criança calma, carinhosa, alegre e acabou conquistando os profissionais, amiguinhos e as famílias que a viam participando das atividades, com isso, a escola foi fazendo adaptações que, mais tarde, quando fomos morar em Brasília, serviu para que outras crianças com deficiência frequentassem esse espaço.

Busquei acompanhamento na Rede Sarah no Rio de Janeiro e recebi orientações para minha casa como uma cama para banho, pois Camylla estava crescendo. Algo tão simples, mas que não encontramos em nenhuma esquina, como diz a gíria.

Quando veio a oportunidade de trabalhar na Capital do Brasil, com a sede do Sarah muito próxima, achei que teria uma cidade mais acessível e preparada. Não era e ainda não é.

A geografia plana ajuda, mas, as escolas ainda estão, como em muitas cidades pelo Brasil afora, aquém do que nossas crianças e jovens precisam para o desenvolvimento que podem ter, apesar de muitas vezes as aparências enganarem. É o tal do desconhecimento.

Camylla faleceu quando ia completar 18 anos, mas o motivo de eu escrever esse artigo não é para contar minha história que é parecida com tantas outras, aliás, digo que tive muitos poucos problemas com preconceitos e acesso a serviços essenciais. Meu muro intransponível virou um degrau fácil de vencer porque conheço inúmeras mães e pais que não podem pagar escolas particulares, não têm acesso a Redes Sarah, por exemplo, e dependem de transportes públicos com elevadores quebrados ou profissionais sem nenhum preparo para manuseá-los. Mães e pais que sequer conhecem o direito de seus filhos.

O cotidiano para quem anda de cadeira de rodas ou para quem empurra uma cadeira de rodas é a de ruas esburacadas, calçadas irregulares, sem rampas, e quando as temos, há um carro parado em frente a ela “só por um instantinho”.

Os ônibus carregam o símbolo do deficiente, mas, há motoristas que fingem que não veem esses passageiros parados nos pontos, por vezes porque estão com pressa outras vezes porque o elevador não funciona.

As escolas públicas e muitas das particulares se esforçam, mas não há um profissional para cuidar individualmente desse aluno ou aluna, muito menos uma equipe multidisciplinar que ajude no desenvolvimento e descoberta de talentos.

Ah, temos algumas escolas em algumas cidades, mas é exceção, não a regra.

Nas vezes que Camylla andou de avião tínhamos que subir e descer no elevador de carga do Aeroporto do Galeão.

Melhoramos muito, é claro! A tecnologia está ajudando e tornando a acessibilidade mais barata para ser implantada e a sociedade enxerga a pessoa com deficiência, principalmente os cadeirantes, com muito mais sensibilidade e menos preconceito. Conheci muitas pessoas que não possuem filhos ou parentes com deficiência que militam nessa causa.

Estamos muito longe de comemorar a Semana da Pessoa com Deficiência. Podemos dizer que celebramos para aproveitar a data e conscientizar o mundo que a diferença existe, mas a cidadania é para todos.

Me orgulho de fazer parte de um partido político que tem em seu estatuto uma Secretaria da Pessoa com Deficiência. O único.  Solidariedade não é só entender que políticas públicas devem ser ampliadas e executadas. É meter a mão na massa e ajudar na mudança. É olhar o problema de dentro para fora. E é esse convite que faço: com Solidariedade a gente muda o Brasil! E com o Solidariedade e com a solidariedade vamos mudar o Brasil para toda e qualquer pessoa com deficiência.

Noeli Becker é secretária do Solidariedade Mulher (RJ), jornalista e chefe de gabinete na Câmara Federal