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CPI das Pirâmides Financeiras: as investigações
As investigações da CPI das Pirâmides Financeiras seguiram dois caminhos: o dos crimes de pirâmides financeiras que usavam os criptoativos como argumento e o das pirâmides envolvendo milhas de companhias aéreas.
O canto da sereia das Criptomoedas
As investigações das pirâmides que usaram a valorização dos criptoativos como motivadores foram repletas de depoimentos de chefes desses esquemas de fraude. Um fator comum a todos esses depoentes era o carisma e a oratória convincente, o que explicava como conseguiram atrair e enganar tantas vítimas para seus golpes.
Todos os golpistas ouvidos, sem exceção, tentaram convencer os integrantes da Comissão de que seus negócios eram lícitos, com argumentos pormenorizados de que as empresas só não conseguiam honrar seus compromissos com os clientes por alguma interferência, como por exemplo da Polícia Federal ou da justiça.
O relatório final da CPI recomendou o indiciamento de 45 pessoas envolvidas com as empresas investigadas.
As desculpas do “Faraó”
Glaidson Acácio dos Santos, conhecido como “Faraó dos Bitcoins”, é o cabeça por trás da gigantesca pirâmide chamada GAS Conslutoria (acusada de desviar cerca de R$ 38 bilhões das vítimas). Ele tentou convencer os parlamentares de que tem o dinheiro para pagar todas as vítimas:
“Eu vou devolver o dinheiro das pessoas. Nós temos o dinheiro das pessoas. Está bloqueado. Uma parte com a Polícia Federal, que é a grande parte. As outras partes estão nas plataformas. A principal é a Binance. E nós temos os recursos pra pagar as pessoas e nós iremos, senhor deputado, pagar as pessoas.”, assegurou aos deputados.
Mas, ao ser pressionado pelo presidente da CPI, o deputado do Solidariedade Aureo Ribeiro (RJ), ele recuou, não se comprometeu a pagar os clientes e nem quis dar as informações requeridas pela CPI, alegando preocupação com sua segurança:
Aureo: Qual o número de clientes com que a GAS tem pendências no território brasileiro?
Glaidson: Eu não gostaria de expor a quantidade de clientes pela minha segurança.
Aureo: Qual o volume financeiro que a GAS tem custodiado dos clientes brasileiros?
Glaidson: Eu também não gostaria de responder por minha segurança.
O relatório descreveu em detalhes o esquema da GAS e demonstrou que Glaidson e sua esposa Mirellis Diaz eram os organizadores do golpe. O modus operandi consistia em transformar rapidamente os recursos depositados pelas vítimas em criptomoedas sob posse de ambos, tornando praticamente impossível a devolução forçada pelas autoridades do dinheiro para as vítimas. Glaidson está preso na penitenciária de segurança máxima de Catanduvas, no Paraná, mas a esposa dele vive de forma luxuosa no exterior, e ainda tem acesso a contas de criptomoedas.
O relatório sugeriu o indiciamento de Glaidson Acácio dos Santos e de Mirellis Diaz, além de outros envolvidos na investigação da GAS, por estelionado, gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro e crimes financeiros.
O silêncio do “Sheik”
Francisley Valdevino da Silva, o golpista por trás da Rentalcoins e chamado de “Sheik dos Bitcoins”, usou outra estratégia em seu depoimento: amparado por habeas corpus, preferiu ficar calado. Uma atitude equivocada, avaliou o deputado Aureo Ribeiro:
“Diferente das atividades rotineiras de um processo policial e judicial, uma CPI seria um ótimo momento de explicar que sua suposta atuação no ramo de investimentos em criptoativos não seria criminosa, por ter a capacidade de se defender antes de ter uma acusação formal, sem contraditório e ouvindo apenas o senhor nesse momento,” comentou o parlamentar.
O “Sheik” não falou nada mas seus aliados ouvidos pela CPI não pouparam palavras para tentarem se desvencilhar das falcatruas de Francisley que, por meio do conglomerado empresarial internacional Interag (que tinha mais de cem empresas de fachada), causou prejuízos da ordem de R$ 100 milhões às vítimas.
Douglas Horn Bocarth Júnior, empresário do ramo imobiliário de Curitiba (PR), tentou descrever à CPI como ele negociou cerca de R$ 200 milhões em imóveis com Francisley. Apesar de tentar argumentar que em março de 2021 ele começou a desconfiar das negociatas do Sheik, não conseguiu explicar porque continuou negociando com ele até agosto daquele ano. Os negócios nebulosos entre os dois apresentam indícios de que Douglas ajudou Francisley a ocultar patrimônio proveniente dos golpes da RentalCoins.
Márcio Borges Brito de Andrade, o influenciador digital e organizador de eventos de luta entre celebridades da internet conhecido como Mamá Brito, também foi ouvido pela CPI. Ele declarou que Francisley era “seu maior inimigo” por ter roubado dinheiro dele, da sua esposa e de seus familiares. Porém, ao mesmo tempo, Mamá disse que operou a produtora de eventos FMS, de propriedade de Francisley, e que foi um dos homens de confiança do “Sheik”, que inclusive havia lhe cedido gratuitamente a operação da FMS ao avaliar que rendia pouco dinheiro.
Tanto Mamá Brito quanto Douglas Bocarth Jr. devem ser investigados por seu envolvimento com o “Sheik dos Bitcoins”. O relatório também recomenda o indiciamento de Francisley Valdevino da Silva por estelionato, gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro e crimes financeiros.
O fantástico caso do robô dos bitcoins
A Atlas Quantum entrou no mercado de criptomoedas com uma tecnologia incrível: um sistema de tecnologia artificial, um robô, que conseguia lucrar de forma espantosa com compra e venda de bitcoins através da análise de mercado. Uma tecnologia tão sedutora que 200 mil pessoas acreditaram e perderam um valor estimado em R$ 4,5 bilhões. E foram convencidas com a ajuda de celebridades como os atores Tatá Werneck e Cauã Reymond e o jornalista Marcelo Tas. A investigação do COAF reforçou os fortes indícios de ilicitudes nas operações da Atlas Quantum , apontando , por parte dos sócios, crimes de fraude, organização criminosa e crimes contra o sistema financeiro.
Trocas de acusações
Uma característica comum às operações de pirâmides financeiras é a busca por desculpas que tentam livrar os esquemas golpistas da responsabilidade pelo prejuízo das vítimas. Os donos da MSK Investimentos tentaram se safar da responsabilidade com uma desculpa antiga mas muito comum: a de que um empregado roubou a empresa.
A MSK Investimentos surgiu em 2016 e se dizia especialista no mercado das criptomoedas. A empresa propunha uma rentabilidade de até 5% mesmo num negócio de alta volatilidade. A promessa de lucro fácil e fixo atraiu milhares de investidores ao longo do tempo, ao lado de uma maciça propaganda do negócio. Em dezembro de 2021, a empresa parou de pagar os seus clientes, e seus donos alegaram que um dos seus traders (negociadores), Saulo Gonçalves Roque, havia sequestrado todas as criptomoedas da empresa em uma conta a que eles não tinham acesso.
Saulo Roque, operador da MSK, se colocou como bode expiatório em seu depoimento. Ouvido pela CPI, ele afirmou que os sócios da empresa deram o golpe no dinheiro dos clientes que investiram na MSK, e esconderam esse dinheiro em empresas fantasmas e criptomoedas, de forma que não fosse rastreável. Saulo se defendeu das acusações dos sócios da MSK, de que ele havia desaparecido com os recursos dos clientes da empresa. E ele também assegurou que nunca foi trader nem teve controle das carteiras de criptomoedas da MSK, e que era apenas um consultor.
A MSK já foi indiciada pela Polícia Civil de São Paulo, que entendeu haver indícios suficientes de materialidade e autoria em relação aos seguintes crimes: organização criminosa, pirâmide financeira, lavagem de dinheiro, estelionato, falsidade ideológica e de publicidade falsa ou enganosa.
Todos os sócios da MSK Investimentos devem ser indiciados por estelionato, gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Bate bola com o crime
Dois dos depoimentos mais importantes da CPI foram do ex-jogador de futebol Ronaldinho Gaúcho e de seu irmão, o empresário Assis. Ambos só compareceram à CPI depois que foram emitidas ordens de condução coercitiva para eles. O ex-atleta foi acusado de participar de um esquema de golpes denominado 18k Ronaldinho Comércio e Participações Ltda.
O esquema seguia o molde das pirâmides financeiras: uma empresa com o nome do ex-jogador e que lançava mão de publicidade ostensiva em TV e redes sociais usando a imagem de Ronaldinho Gaúcho atraía vítimas com promessas de ganhos exorbitantes, de até 2% ao dia. A empresa é acusada de desviar R$ 300 milhões das vítimas. Ronaldinho tentou se defender dizendo que não conhecia os donos da empresa e que a imagem dele foi usada sem autorização:
“Eu nunca fui sócio da empresa 18k Ronaldinho. Os sócios de tal empresa são os senhores Rafael Nunes de Oliveira e Marcelo Lara Marcelino. Eles utilizaram indevidamente meu nome para criar a razão social da empresa,” argumentou o ex-atleta.
No entanto, Ronaldinho preferiu ficar calado ao ser perguntado se tinha tido outras empresas em sociedade com os outros sócios da 18K Ronaldinho. A investigação documental da CPI provou que Ronaldinho e Marcelo Lara Marcelino já se conheciam e haviam sido sócios em pelo menos uma outra empresa: a 18K Orlando, aberta em fevereiro de 2015 e fechada em setembro de 2016.
O texto final da CPI recomendou que Ronaldinho Gaúcho, Assis, Rafael Nunes e Marcelo Lara sejam indiciados por estelionato, gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro e crimes financeiros.
Todos os caminhos levam à Binance
Durante as investigações, um nome aparecia repetidamente como ferramenta ou caminho para a efetivação de golpes ou transferências irregulares de criptoativos: Binance.
A corretora online é uma das maiores exchanges (empresas negociadoras de criptomoedas) do mundo. A Binance surgiu em 2017, e desde então tem se posicionado de forma contrária a regulações financeiras internacionais de qualquer tipo. A empresa não revela a localização de suas sedes, apesar de manter escritórios em vários locais como São Paulo, Cingapura, Malta, Dubai, Tóquio, Paris etc. O controlador e fundador, Changpeng Zhao, afirma pela mídia que a sede da empresa é onde quer que ele se encontre na ocasião.
O Diretor-Geral da Binance no Brasil, Guilherme Haddad Nazar, em depoimento à CPI explicou como se dá a relação entre a exchange e seus clientes brasileiros. Os interessados em comprar criptoativos deveriam depositar reais em uma conta mantida pela Binance em uma instituição autorizada a funcionar pelo BC. Com o depósito, passariam a dispor de créditos em valor equivalente para adquirir criptoativos na plataforma da exchange. Quando decidissem vender os criptoativos adquiridos, poderiam sacar valor equivalente ao preço da venda, em reais, daquela mesma conta mantida pela Binance.
Haddad também tentou explicar a opção da empresa em não adotar o princípio de segregação patrimonial dos ativos, defendido pelo Banco Central e prestes a se tornar obrigatório no Brasil. A exchange opta por receber recursos dos investidores em uma conta-ônibus. O que isso significa? Os investidores que depositam reais na instituição financeira ou de pagamento associada à Binance não o fazem numa conta registrada em seus próprios nomes (o que significa que haveria uma segregação patrimonial na operação da exchange). Todos os recursos depositados pelos que querem operar na plataforma da Binance são reunidos numa única conta de titularidade de empresa de tecnologia (gateway de pagamentos) contratada pela Binance. A opção pela chamada conta-ônibus dificulta investigações baseadas em quebra de sigilo e também facilita a lavagem de dinheiro. Em outras palavras, a Binance se tornou uma ferramenta muito útil para que golpistas desviassem recursos das vítimas e tornassem praticamente impossível que as vítimas das pirâmides financeiras reavessem seu dinheiro.
Para resolver os problemas e riscos identificados pela CPI a respeito da atuação da BINANCE no Brasil aprimoramentos na legislação financeira e fiscal brasileira são necessários. Um dos quatro projetos de lei apresentados pela CPI propõe alterar a legislação sobre prestação de serviços de ativos virtuais para melhor controlar a atuação de exchanges internacionais no país.
Apesar de, atualmente, não ser possível alcançar a Binance de forma legal, a CPI recomendou o indiciamento de Guilherme Haddad Nazar e de Changpeng Zhao pelo crime de operação de instituição financeira sem autorização.
123milhas, a pirâmide nos céus
Durante o trabalho da CPI, explodiu o escândalo da 123milhas, a agência de viagens online que vendeu mas não entregou passagens aéreas a mais de 700 mil passageiros. Os integrantes da comissão se mobilizaram para investigar a empresa e descobriram que a 123milhas era, na verdade, um esquema de pirâmide, baseado nos pontos distribuídos pelas empresas aéreas e suspeito de dar um prejuízo de mais de R$ 2 bilhões aos clientes.
A investigação também descobriu que a empresa cometia diversas outras irregularidades: vendia passagens que as empresas aéreas não haviam emitido, exigia dos clientes a senha das contas deles nos sistemas das companhias e chegava a orientar os clientes a mentirem na hora de vender as milhas, conforme o deputado Aureo Ribeiro leu, em uma mensagem da empresa a um cliente:
“Pedimos a gentileza para não alterar a senha de acesso na sua conta LATAM durante 90 dias. Após esse prazo, a alteração pode ser realizada. Importante: caso a companhia aérea entre em contato, você não deve informar que as milhas foram vendidas. Você deverá informar que doou suas milhas para algum amigo ou parente e que está ciente de todas as utilizações.”, relatou Aureo.
Um dos donos da 123milhas, o empresário Ramiro Júlio Soares Madureira, prometeu pagar os prejuízos aos clientes. Ao ser perguntado como pagaria o prejuízo dos compradores, afirmou que isso seria resolvido na recuperação judicial. Indagado se a empresa tinha recursos para pagar os consumidores lesados, ele não respondeu. E disse não saber quanto dinheiro a empresa deve.
A investigação do caso da 123milhas pela CPI levou à identificação do esquema de pirâmide financeira dos pacotes Promo vendidos pela agência de viagens online. Os pacotes Promo vendiam passagens com muita antecedência mas que não eram emitidas pelas companhias aéreas. Por meio de contabilidade fraudulenta a empresa divulgava lucros irreais e permitia que os sócios da empresa fizessem retiradas altas do caixa da empresa, que já estava em derrocada financeira e, finalmente, pediu recuperação judicial em setembro deste ano. A situação da 123milhas ficou tão crítica e sua atuação tinha tantos indícios de crime que a Justiça do Estado de Minas Gerais revogou a recuperação judicial da empresa.
A CPI recomendou que todos os sócios das empresas do grupo 123milhas sejam indiciados por estelionato, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta e organização criminosa.
Representantes das três maiores companhias aéreas brasileiras também depuseram na CPI. Eles admitiram que não tinham controle sobre o uso irregular de milhas e pontos aéreos pela 123milhas e concordaram que o setor de milhas precisa de regulamentação. Alberto Fajerman, representante da Gol Linhas Aéreas, elogiou as investigações da CPI:
“Eu sou executivo da Gol mas em primeiro lugar sou brasileiro. Eu fico muito feliz de ver uma Comissão Parlamentar se preocupar com coisas que possam lesar o consumidor e por isso nós estamos aqui, quiçá eu não consiga dar todas as repostas, mas eu fico muito feliz que isso esteja sendo investigado. Nossa empresa também é vítima. A atuação da 123milhas nos prejudica. Milhas que poderiam ser usadas acabam fazendo parte de um golpe. A pessoa que adquire as milhas, adquire milhas que não seriam usadas. E o passageiro que compra essas milhas poderia comprar a passagem da Gol mas não compra. Apoiamos totalmente essa Comissão e gostaríamos que essa prática acabasse,” finalizou Fajerman.
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